21.5.13

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Este texto que "caiu" na minha caixa de email adequa-se a muitas coisas que vivo e que vivi e sei que me vai ser muito útil no futuro.

A dor do luto, a ira contra Deus e contra mim própria, o sentimento de traição e de falhanço... e o Anjo da Vida e da Esperança lá atrás, a olhar para mim e a sorrir.

A recordação do olhar dum moribundo que conheci na adolescência e que estava "lá"... E que me encheu de amor e de esperança.

O difícil que é acompanhar e ser acompanhada nas situações de perda. Verificar que é mesmo o nosso egocentrismo que nos impede de estar lá para o outro e sentir compaixão. Acompanhar o outro é uma ARTE e claramente não é para todos!

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"A oração profunda ensina-nos o que ensina o anjo da morte. Quando o meditante atinge a pobreza de espírito, é como se fosse uma experiência de morte. A pobreza significa olhar firmemente para o vazio, cujo significado, ao princípio, nos escapa. É a dolorosa consciência de que tudo o que esperámos ou sonhámos que iria durar para sempre traz consigo uma data de validade escondida. A pobreza significa reconhecer que não somos auto-suficientes e que dependemos de uma realidade que não conseguimos definir para a nossa própria existência.

 A nossa vida é alterada, ameaçada e tornada ainda mais frágil através dessa descoberta. Ao princípio, sentimos a náusea da morte, o sentimento desagradável da perda e da privação por que passamos, sempre que os relacionamentos se desfazem ou as expectativas são frustradas ou o que era fiel demonstra ser infiel. A este sentimento, segue-se a dor do luto, muitas vezes, à mistura com uma ira face a Deus, à vida, ao moribundo ou ao que morreu, ou ao nosso próprio corpo por nos deixar ficar mal. Dando cor a estes sentimentos, poderemos encontrar a amargura da culpa ou da vergonha por estarmos a morrer e implicados com esse terrível, mal-vindo e estranho tabu da morte. Todas as separações desencadeiam a ansiedade primária da traição, de nos sentirmos abandonados às forças nuas da natureza. Mas, ao lutarmos com o anjo terrível, descobrimos que ele não é um inimigo, mas um amigo. Um mensageiro de Deus, da vida, não da morte. À medida que surgem as nossas reacções complexas ao mensageiro, aparecem momentos felizes de pura imersão no vazio que é o Espírito. Então, vemos o vazio como a plenitude de potencial, uma abundância de vida que surge, um vazio que não temos que evitar. 

Vemos isto, às vezes, nos olhos das pessoas que estão muito doentes ou a morrer. Nas profundezas da sua alma, elas testemunham os embates dos exércitos de sentimentos, que, sucessivamente, se retiram e se enfrentam novamente. Há momentos em que os olhos se enchem de uma paz e sabedoria que constituem uma bênção para todos os que os vêem. Aqueles a quem viemos consolar, consolam-nos. Aqueles que pensámos que seriam o objecto da nossa compaixão viram as coisas do avesso e são os nossos fardos da vida que são por eles aliviados.

Há uma forma de estar com alguém que está a morrer que permite evitar a armadilha de nos sentirmos estranhos e inúteis. É, simplesmente, ser um companheiro. Estar em contacto com a nossa própria mortalidade. Recordarmo-nos de que também nós estamos a morrer. Aprender com aqueles a quem estamos a servir. Por mais alheada que uma pessoa esteja, ela irá valorizar o companheirismo. Ser-se um companheiro verdadeiro e valioso, não nos afastando quando nos sentimos afastados, é o que está no coração da compaixão. É um fruto de estarmos confortáveis connosco mesmo. Ser companheiro de outra pessoa é viver a verdade de que o estar sozinho não é aquela solidão que, inicialmente, tememos que fosse. É, simplesmente, a condição de sermos a pessoa que Deus chama à existência: uma pessoa que, na sua mais profunda natureza, é amada e capaz de retribuir amor.

A arte do acompanhamento humano desenvolve-se na oração profunda. Meditar com outra pessoa é descobrir uma intimidade e amizade espiritual no silêncio que é inexplicável a outros níveis de relacionamento. As barreiras do medo e da formalidade desabam quando partilhamos o labor do silêncio interior. Em certos momentos, o estar verdadeiramente presente com os que estão a morrer depende de conseguirmos ultrapassar o centramento em nós próprios. Transcendê-lo significa buscar a impotência dentro de nós mesmos, essa que, instintivamente, evitamos e de que fugimos. Poderemos gostar de olhar esta "pobreza em espírito" a uma distância segura e marcar encontro com ela para mais tarde. Gostamos de ler textos sobre ela e de ouvir outras pessoas descrevê-la. Mas tudo fica em causa quando decidimos atravessar a fronteira da pobreza em pessoa, passando da terra da ilusão para o reino da realidade. Quando o fazemos, saboreamos as alegrias do Reino de Deus nesta vida."

{Laurence Freeman OSB | "Oração Profunda e Acompanhamento" (excerto)}

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